Aviso do Raposo

Os capítulos seguem uma sequência cronológica que por ordem de postagem estão ao contrário.
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sexta-feira, 29 de maio de 2009

CAPÍTULO 6 - Agradando a Patroa, Será?


Raposo, o Idoso Odioso


(Agradando a Patroa, Será?)





Então Raposo tinha que, enfim, dar um jeito de fazer as pazes com Matilda, depois de sua romântica e fracassada não-viajem a Caxambú, algo teria que dar certo, afinal de contas ele merecia.

Ele era bom, não chutava cachorro, não comia frango de macumba-muito menos chutava macumba- atravessava velhinhas na rua, não cuspia pra baixo de janela, assistia a Caminho das Índias ao lado de Matilda (sem reclamar), elogiava a comida(horrível) de D..., ele acreditava merecer um lugarzinho no céu, ou, pelo menos, uma trégua divina.

Ao ver o ônibus partindo fez o sinal da cruz, agradeceu a todos os santos, mesmo não sendo católico; era melhor estar em dia com eles lá em cima.

Depois de deixar a coisa ruim na rodoviária, leia-se, Dona... , seu mundo clareou, estufou o peito, ergueu a cabeça e enfim...

Sorriu.

"Uff. Me livrei do encosto, SARAVÁ."

O jeito agora é botar a cabeça pra funcionar e ver qual seria a maneira mais certa de fazer as pazes com Matilda.

"Já sei, um show de algum cantor romântico derrete qualquer coração de mulher. Mas show em casa de show tá um absurdo de caro, mesmo pagando meia."

Isso lhe fez lembrar-se de um pensamento que há muito tempo lhe quicava na cabeça.

"O que é Meia Idade?

Meia-idade é quando tudo está pela metade!

Enxergando mais ou menos, mais ou menos penteado, meio gordo, meiomolemeioduro, ouvindo de um lado só, meio sonolento, e assim vai, meio prá lá, meio prá cá....."

E ele chegou lá.

Meio Tudo.

Mas Raposo não se abateria com isso, Meio é melhor que Nada, e seu Meio era muito, era Tudo.

Raposo era Tudo de bom.

"Nada como um bom marketing pessoal."

Então teve a ideia brilhante de ligar para as Rádios e participar das promoções de Shows, se até o Capitão Silveira, seu velho amigo (lembram dele, da fila do banco, carteado,etc) ganhou ingresso pro Roberto Carlos, porque ele não ganharia?

Então tá, ligou, cadastrou, esperou e ....

"Estamos agora aqui na Rádio A Esperança é a Última que Morre, a sua rádio da terceira idade.

Hoje, amanhã e além, sempre com você. E o ganhador da promoção de hoje é o Sr. Raposo Van Shultzer da Silva."

"Caramba eu ganhei!!!!"

"O Senhor pode passar aqui em nossa rádio e retirar dois convites para o Show da nova estrela da MPB. Jorge Vercillo"

"Putesgrila, não acredito que é esse mala sem alça e sem afinação. Num dá pra aturar né?"

Mas Raposos foi lá pegar os ingressos , porque como diz o nome da Rádio, a dele não morre nunca, e não sabia como, mas Matilda adorava os cachinhos e, o pior, as rimas desse cara.

Lá foram, uma fila quilométrica na entrada.

"Opa, mas, espera ai, eu tenho direito a fila especial, sou idoso."

"Não senhor, especial aqui só o Papa."

"Mas ele não veio, me mandou no lugar dele, quero passar. Vem Matilda, acelera o saltinho alto ponta fina."

"Deixa esse cara passar José, ele deve ser muito importante pra falar assim."

"Mais do que você imagina, pinguim de geladeira."

Entraram.

O duro agora é achar o lugar, G23 e G24.

"Matilda você senta no G24, que pra mim não vai pegar bem sentar nesse lugar, ?"

"Mas peraí o G23 não fica perto do G24, como pode ser, dois ingressos de promoção com umnumseiláquem no meio da gente?"

"Raposo, o pior é que estamos atrás da caixa de som, num vai dar pra ver nada."

Foi assim a noite toda, torturantes 2:00 h de "show", ouvindo aquela vozinha desafinada, sem ver absolutamente nada com um misto de clone do Swashnegger com Tony Ramos, esfregando seus pelinhos, e haja pelinhos, nos seus.

"Sai pra lá meu. Leva essa mata de pulga pra longe, num encosta em mim não, que nojo."

E continua...

"A saudade é que nem maré.. "

"Numseiquelá é que nem maré..."

"Numseiquem é que nem maré..."

" ficando mareado, cala a boquinha nenem, pelamordeDeus, senão vou vomitar."

"Numseioquedenovo é que nem maré..."

"Cacete, se cantar Homem-Aranha eu levanto e pulo a janela."

"Raposo, cala a boca que tá atrapalhando o show."

"Peraí Matilda, essa música já tocou."

"Claro que não Raposo, essa é Monalisa a outra era Devaneio."

"Mas é tudo igual, não é possível que você ache que é diferente. Esse cara tá enrolando todo mundo."

Tudo que é ruim tende a melhorar, mas no caso do Raposo pode até piorar.

Senta na sua frente entre ele e a caixa de som uma perua com um chapéu enorme e com um penacho em cima.

Cutuca a madame.

"Queridinha, vê se você se manca e tira essa tralha da cabeça com peninha de bichinho e tudo, que vou ligar pro Ibama agora mesmo e denunciar vossa senhoria, porque ou você está tentando esconder a sua galhada ou fazendo anúncio de sua hora/serviço?"

"Que é isso, seu abusado, está me chamando de garota de programa?"

"Garota de Programa já deu pra notar que você é, agora, só quero negociar o valor."

Não precisa dizer que Raposo levou uma carteirada de pelica na cara, mas pelo menos se livrou da perua com peninha que foi chorar no banheiro.

"Raposo, sossega que eu quero ouvir a música."

"Música????? Onde tem isso?"

E Matilda começa a cantar junto com o tal.

"Não creio nisso."

Matilda começa a bater palma.

"Batendo palmas, que louca! Num acredito"

Matilda entoou o coro a plenos pulmões.

"Lindo, lindo."

"Não, agora eu me retiro, esperando lá fora, lindo já é demais."

Como toda tortura tem seu final, acabou.

Não viu nada.

Matilda também não.

Aturou aquela vozinha, olhando para uma pena andante numa cabeça de louca e uma caixa de som preta, quadrada e enorme.

"Se era tortura, só pra ouvir esse chato, sem nem ver nada era melhor baixar em MP3 e ouvir no Ipod no sofá de casa. Amarrado."

E o pior ainda era aturar Matilda reclamando que queria ir ao camarim dar um beijo no Vercillo.

"Só por cima do meu cadáver, Matilda."

Aquilo era demais, camarim, autógrafo, só morto.

Resumo, chegou em casa com Matilda bicuda e ele moco, sem ouvir nada direito, só um zumbido, que se ele prestasse bastante atenção, lá no fundinho parecia uma melodia, uma vozinha a dizer algo assim...

"Que nem maré......."


Ninguém merece.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

CAPÍTULO 5 - Dona Três Pontinhos

Raposo, O Idoso Odioso

(Dona Três Pontinhos)


Raposo queria fazer as pazes com Matilda.
Nada melhor que uma pequena viagem.
Depois de saber então que existiam hotéis que cobram meia para a terceira idade, agora sim, era mel na chupeta.
Era só entrar no Google e:
HOTÉIS TERCEIRA IDADE – clicar em – PESQUISA GOOGLE e pronto:
Ops, ‘Namoro na Terceira idade’, não isso não, Matilda me mata, não é isso que eu procurando”
“Agora sim, ‘Portal Terceira Idade-Cantinho de Férias’, aqui eu acho um cantinho supimpa.”
“Mas que saco, tem que fazer cadastro.”
Lá foi Raposo,
Nome completo: Raposo Van Shultzer da Silva (porque sua mãe tinha que casar com um da Silva, só pra estragar a categoria de seu nome)
Cidade: Maravilhosa
Estado: Inteirão
Idade: Terceira é claro
Sexo: Em cima
E-mail: não tenho mais
Você está interessado em:
1 - Esporte e Lazer
2 - Saúde e equilíbrio
3 - Meio-Ambiente
4 - Cidadania
5 - Sexualidade na Terceira Idade
6 - Arte e Cultura

“Só pode ser sacanagem me perguntarem isso num cadastro, mas só pode ser 1 e 5 , o resto é coisa de frutinha.”
Pronto, agora era só clicar e ENVIAR.

Erro: Email Inválido
O e-mail '' está informado incorreto. Por favor, volte e informe novamente
.


“Mas eu já falei que não tenho mais essa chatice de e-mail, não dá pra aturar esse bando de gente que não tem o que fazer me mandando PPS.”
E agora, como Raposo iria fazer seu cadastro e escolher os hotéis com metade do preço?
Bem, o jeito era telefonar.
“Bom dia senhor, Viaja Mais Terceira Idade está agradecendo sua ligação. O senhor estará fazendo seu cadastro, pra poder estar escolhendo o seu hotel e poder estar gozando de suas férias completas na terceira idade.”
“Minha filha, eu estarei falando que se você não estiver parando de falar assim eu vou estar dando com o telefone na sua carinha. Estou fazendo você me entender?”
“Senhor, estamos avisando que a partir deste momento vamos estar gravando seu telefonema.”
Filhinha, vocês são adestradas para falar estas besteiras ou falam porque são idiotas mesmo?
“O senhor está querendo me chamar de animal?”
“Isso minha filha, ficou com raivinha, então agora tá tudo certo, você tá com raiva, eu Put... então vamos falar de igual pra igual.”
Enfim, depois de muitos gerúndios Raposo consegue marcar seu Hotel em Caxambú.
Agora é só falar com Matilda com todo cuidado, carinho e amor.
“Querida, meu docinho de coco, este fim-de-semana tenho uma surpresinha pra você...”
“Ai Raposo, eu também tenho uma, mas fala você primeiro.”
“Reservei um hotelzinho pra nós dois em Caxambú, pra dormir juntinho naquele friozinho com lareirinha, vinhozinho, que tal?”
“Ai, Raposo, adorei, mas agora me deixa falar a minha surpresa: Mamãe vem passar o fim-de-semana com a gente, dá pra reservar mais um quartinho neste hotel?”
O mundo de Raposo caiu.
Sua vista escureceu.
Sua garganta secou.
As pernas bambearam.
Até o cabelo perdeu o brilho.
Não pode ser, aquelaquenãosefalaonome vinha passar o fim-de-semana, este fim-de-semana com eles.
Muita falta de sorte, diria que um put... azar.
Há muito tempo que Raposo não pronunciava o nome de Dona Candoca, limitava-se a dizer Dona três pontinhos, pois toda vez que falava este nome a peste aparecia.
DING DONG.
“Pronto, apareceu, quem mandou você escrever este nome dos infernos ai? Maldição.”
Lá foi Raposo, assim como a presa que caminha de encontro a boca do Jacaré, ou melhor da Sucuri.
“Bom dia sogrinha que bom recebê-la em minha humilde residência, de novo.”
Oi mamãe, entra, Raposo sempre engraçado ? Como foi de viajem?”
Toda vez que Dona... vinha visitar Matilda rolava um estresse.
Ela insistia em dar comida pro Jean Claude na hora das refeições, Raposo odiava, Jean Claude amava, Matilda aturava.
Lá vai pedacinho de carne por baixo da mesa.
Lá vai batatinha frita.
“Dona..., Batatinha frita pro gato não, vai matar o coitado.”
“Deixa o bichano comer, tá tão magrinho.”
“Saco” vai Raposo empurrando Jean Claude por baixo da mesa.
Hora de fazer as malas.
Ele não precisava nem fazer a dele, já ia levar uma mala extra ENOOORME.
Raposo procura seu pulôver xadrez e nada.
Seu blazer de veludo e nada.
Sua calça de lã e nada.
Matilda cadê todas as minhas roupas de frio?”
“Meu querido, mamãe levou pra quermesse da igreja, você não usava, estava tudo fedendo a naftalina.”
“Tá de sacanagem. Eu falei é só chegar a coisa ruim que o inferno inteiro sobe de elevador”
Coloca comida extra pro Jean Claude, fecha a casa, pega as malas, liga o alarme, abre a porta do carro, abre a mala do carro, bota as malas na mala, entra a Mala, entra Matilda, por fim entra Raposo, vira a chave e ...
NHEMNHEMNHEMNHEEEMMM.
NHEMNHEMNHEMNHEEEMMM.
O carro não pega.
Abre a porta, sai do carro, abre o capô, suja a mão, mexe num monte de coisa que nem sabe o que é, prende a mão, tira a mão, suja a mão.
Matilda, vira a chave agora”
VRUMMMMM, VRUMMMM
“Pegou, Raposo”
“Deu pra notar, meu bem.”
Pega a estrada, leva cortada, dá outra cortada, sobe serra, desce serra, dobra a direita, curva fechada a esquerda, acelera na reta.
“Raposo, meu genro num corre assim, que eu não quero morrer hoje.”
“Quem me dera, quem me dera...”
“Raposo, o que vc falou pra mamãe.”
“Nada docinho, nada, só cantando.”
Parou.
Parou por que?
Engarrafou.
Meia hora.
Uma hora.
Andou.
Sobe serra, desce serra, curva, curva, outra curva.
enjoando minha filha, pede pra ele parar.”
Parou.
Pipi.
Pastel.
Empada.
Café.
Pagou.
Até a empada da empada.
Ligou o carro.
Ops.
Pneu furou.
Trocou.
Sujou.
Limpou.
Partiu.
Seguiu.
“Já estamos chegando?”
Ignorou.
Chegou.
Raposo, parado na frente do hotel viu seu dia passar em flash, lembrou de tudo desde o abrir de olhos e pensou.
"Só falta agora não ter quarto nenhum reservado."
Acertou.
Desabou.
Pobre Raposo.
Dançou.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

CAPÍTULO 4 - Jean Claude(JC) pros íntimos, Van Dame pros inimigos

Raposo, O Idoso Odioso
(Jean Claude(JC)pros íntimos,
Van Dame pros inimigos)


Raposo hoje acordou um pouco quebrado, afinal Matilda o fez dormir no sofá da sala por causa do episódio do cinema prometido e não ido.

Ou melhor, Raposo acordou no sofá do Jean Claude, uma vez que era lá que o gatinho dormia.

Ou melhor, o sofá era do Jean Claude, a Sala era do Jean Claude, a Casa era do Jean Claude.

É assim que é.

Jean Claude era o dono da casa.

O dono do Raposo.

E até o dono da Matilda.

Ele simplesmente deixava os dois conviverem com ele no mesmo espaço, afinal eles sempre lhes davam leite, comida e quando ele permitia uns carinhos e afagos.

Como disse antes, Jean Claude achava que era um cachorro, pois cuidava da casa como se o fosse.

Até Bono, o Pastor Alemão do vizinho se sentia intimidado por ele.

Ai de quem tentasse passar pelo portão, JC(Jean Claude)avançava com suas unhas de Wolverine Tupiniquim e créu, lá saia o intruso carimbado e ardido.

Raposo um pouco entrevado e acabado se dirigiu até a cozinha pra preparar o café, tropeçou várias vezes em JC que insistentemente lhe pedia seu café da manhã.

Raposo até que tentou driblar a bola de pelo faminta de quatro patas, mas não deu.

JC sempre vencia.

E o pior aconteceu.

"Caramba, acabou a comida do JC"

Lá foi Raposo torto, faminto e sonolento ao mercado comprar o banquete de JC.

Estacionou o carro, entrou no EXTRA, driblou 5 donas-de-casa-sem-atenção-passando-em-cima-do-pé-de-todo-mundo, 3 crianças-que-saco-brincando-no-mercado, 4 maridos-lesados-ouvindo-rádio-pra-passar-o-tempo e enfim, chegou a prateleira dos bichinhos.

Procurou a latinha preferida de JC e ao se virar para colocar as 3 latinhas no carrinho.

ZUNSSSPPPPP....

Passa uma criança a toda derrubando lata, lata, lata e Raposo.

"Que droga, mercado parece até sabonete de motel, tem sempre um pentelho que a gente não sabe de quem é."

"Cadê seu papai criancinha fofinha dos infernos?"

"Sai pra lá tio, eu sou o Super-Homem, não me atrapalhe."

"Super-pentelho, é o que vc é, sai daqui senão te taco uma tonelada de Kriptonita,seu peste."

Bom, agora é só ir até a caixa, pagar e ir pra casa.

"Senhor, a sua carteira de identidade por favor?"

"O que, minha filha, carteira de identidade pra pagar 3 latinhas de comida de gato?"

"É norma do mercado senhor."

"Então tá, chama essa Norma aqui e diz que eu quero ver a carteira de identidade dela, a sua e a do dono do Mercado, antes de mostrar a minha."

Depois de discussão, reclamação, objeção, cutucão, palavrão, enfim Raposo consegue voltar pra casa com as latinhas da discórdia.

"Toma Jean Claude, come e não me enche o saco."

"Miauuuuuursrsrsrsr"

Raposo, porém notou que JC estava um pouco arrepiado, talvez irritado, porque será?

Sem que Raposo notasse, BONO, o Pastor Alemão do vizinho o seguiu e entrou em casa, agora é tarde.

Passa a cem por hora Bono e Jean Claude atrás, derrubando, lata, sofá, cadeira, Raposo, tudo que aparece pela frente.
Crew.
Pow.
Zunsk.
Raposo tenta separar os dois e depois de muitos dentes, unhas,línguas, patas, enfim, consegue.

Raposo todo marcado toca no vizinho pra entreguar BONO, ou o que restou dele.

"Pereira, vê se você segura seu cachorro em casa senão meu gato vai acabar com ele."

"Raposo, o Jean Claude tem que ser interditato, ele não é uma gato ele é um louco."

"Olha quem fala.O Bono passeia com a camisa do América, sapatinho pra chuva e foge de gato.Quem será o louco?Ou é louco ou afrescalhado"

Enfim, Raposo, volta pra tomar seu café.

cadê o café?

Cadê a mesa que ele tinha posto?

"Raposo, eu já guardei tudo , isso lá são horas de se tomar café? Vê se acorda mais cedo"

Ai, Matilda, você tem sempre razão.

CAPÍTULO 3 - Apresentando, Matilda.

Raposo, O Idoso Odioso

(APRESENTANDO, MATILDA.)

Matilda era ímpar, brasileira, carioca, esperta, arquiteta, ioguista e com um humor variado.
Era uma pessoa fácil de se lidar, desde que você não pisasse no seu pé, o problema é que seu pé sempre estava embaixo de alguém ou de alguma coisa, então, sai de baixo, ela se transformava.
Mas nada fazia Matilda se transformar tanto quanto quando estava atrás do volante.
Toda aquela educação, fragilidade e ternura...
Iam embora.
Matilda era muito educada e correta dirigindo, este era o problema, pois se algo saia diferente, o sangue esquentava, a adrenalina subia, e boom, se transformava.
Um dia Matilda estava tranqüilamente parada ao sinal, com seu karmanguia amarelo , o mesmo abre, os carros vão aos poucos arrancando, ela espera sua vez pacientemente, acelera, coloca sua seta para a esquerda e pelo retrovisor avista um carro cortando pela contra-mão a sua esquerda.
“Esse cara não vai passar aqui nem que a Vaca tussa.”
O abusado vem e corta a frente do karmanguia amarelo e vira a direita, Matilda calmamente continua, até que seu pára-choque encosta no carro do dito-cujo.
“Num tô nem ai, já tá amassado mesmo.”-pensa Matilda.
Do carro sai um cara mauricinho, engravatado, com cara de nerd de colégio interno.
Ô minha querida, você num me viu convergindo na sua frente não, 'cê tava parada no farol e num me viu.”
Sotaque paulista, Matilda detestava sotaque paulissssta.
Nestas situações ela se fazia de lesada.
“Filhinho(este é pior do que xingamento), eu estou sem meus óculos e não enxergo nada sem eles.”
“Como assim, como pode dirigir sem óculos, 'cê é louca?”
“Pois é esqueci na ioga, enxergo tão mal que daqui não vejo nem seu bigodinho.”
“Ô Loco, eu num tenho bigode.
Eu vou é chamar o guarda pra tirar sua carteira, sua cega louca.”
“Isso mesmo meu filho, me faz esse favor, porque faz dois anos que a minha tá vencida e eu num consigo tirar uma nova.”
“Eu vou é embora, porque a senhora não bate bem, meu.”
E com isso Matilda se sentia realizada, mas uma luta urbana vencida no trânsito.
E quando Matilda via que quem estava no outro carro era outra mulher, ai ninguém segurava.
Perseguições estilo Miami Vice pelas ruas do Rio, freadas bruscas estilo Velozes e Furiosos, e batidas no vidro para intimidar estilo Kojak.
Ai de quem mexesse com ela nestas horas.
Mas hoje era dia de cinema, nada mais a iria irritar, depois do estressante dia de trabalho, aturando seus “colegas” e principalmente seu chefe (afffe), enfim um cineminha com Raposo.
Chegou em casa, tropeçou nos carinhos felinos e esfomeados de Jean Claude, colocou seu potinho de leite, e foi tomar seu banho.
Hoje, Raposo iria levá-la ao cinema, nem acreditava, pois era praticamente impossível para Raposo ir ao cinema durante a semana.
“Muito lotado o cinema durante a semana, cheio de perua encharcada de perfume francês, horroroso, eu num agüento nem respirar”.- dizia Raposo.
Mas ela o convenceu a levá-la pra ver o Antonio Banderas.
“Querido, vamos ver o novo filme do Antonio Bandeiras?”
“Tá bom Matilda, mas só porque tem a Zeta-Jones, porque esse clone do Ney Latorraca eu num agüento.”
Raposo era tão romântico...
Embaixo da água fervendo do chuveiro e praticando seus mantras de relaxamento Matilda ia aos poucos relaxando e se tornando outra mulher.
De repente a água vulcânica de seu escaldante banho se transforma em gotas de gelo infernais, sim, porque para ela o inferno era gelado, Matilda detestava frio.
Fecha correndo a torneira, ainda com sabão nos cabelos e corre para se enxugar, ao sair do banheiro, encontra Raposo entrando no quarto.
“Querido, que bom que você chegou, não sei o que houve com a água, virou um gelo.
Mas tudo bem, liga a TV ai pra ir assistindo enquanto eu me arrumo pra gente sair. Tô loca pra ir ao cinema.”
Raposo, liga a Tv e nada, não, não pode ser, mas uma vez, cadê a energia?
Com aquela confusão no banco também esqueceu de pagar a conta de luz.
E ainda tinha que contar pra Matilda que não pegou dinheiro pra ir ao cinema.
É Raposo, hoje você não sobrevive.
“Matilda, meu amorzinho, preciso te contar uma coisinha...”
Matilda verde:
“R-A-P-O-S-O, eu te maaatoooooooo.”
Essa era Matilda.

CAPÍTULO 2 - Segundo dia dos 65

Raposo, O Idoso Odioso
(Segundo dia dos 65)

Raposo hoje acordou disposto a "abalar geral".
Era o grande dia de ir ao Banco Bradesco.
O dia de colocar seu "poder de idoso odioso" a prova.
Queria ver quem ousaria atrapalhar seus planos.
Colocou sua melhor bermuda e seu inseparável tênis Nike Air.
Não iria nem a praia encontrar os amigos de rede de võlei, hoje era dia de furar fila.
De posse de seu cartão, pegou o ônibus até Botafogo,uma viagem completa pela orla carioca.
Trânsito.
Trânsito.
E Mais...
Trânsito.
Mas hoje era dia de experiências novas, e foi direto aos submundos do metrô.
Furou logo de cara sua primeira fila na bilheteria, fingindo não reparar os olhares indignados dos outros seres pagantes normais.
Passou pela roleta, se dirigiu como um bom atleta a passarela do metrô sentido Centro, com ar de aristrocata entrou no vagão , olhou o interior lotado de gente saindo pelo teto, e parou ao lado de um garotão sentado nos bancos reservados a idosos, gestantes e portadores de deficiência.
Parou com aquele olhar de cachorro em frente aos frangos fritos da padaria, o garotão nada, com seu MP3 aos berros, parecia que nem via Raposo.
"Ai garotão, por obséquio me ceda o lugar."
"Ob o quê dotô?"
"Deixa de palhaçada, você tá sentado em lugar reservado a idosos e etc."
"Ah, tá, e você por acaso é Etc??? Porque idoso tu num pode sê"
"Não, o filhote de cruz-credo eu sou idoso, Sarta fora."
"Ai, tio, dá um tempo, vai enganar outro otário."
"Não sou tio de muleque burro e grosso."
Raposo com seu olhar de John Wayne carioca, sacou de seu cartão de idoso, e provou sua idade.
"Tá aqui o malandro, 65 primaveras."
"Putisgrila tio, tu tá no formol então, tá bom pode sentar ai vovô"
Vovô também era demais, Raposo adorava usufruir de seus diretos mas não suportava ser chamado de vovô.
Deu um pescoção no muleque abusado e botou ele pra fora.
Contrariado sentou-se, mas pensou que sempre existia o outro lado da moeda.
"Que pena"
"Vovô é a vovozinha."
Enfim depois de vários túneis intermináveis chegou a estação Carioca.
Esquecendo o infortúnio do metrô, renovou suas energias ao pensar na sua triunfal entrada na agência.
Atravessou a rua com passos seguros, driblou umas três senhoras que passavam com suas bengalas e sacas de compras das Lojas Mademoiselle Modas, enfim parou a frente da porta giratória do banco.
Gelou:
"Detesto estas portas."
Mas foi, enfrentou seus medos, e quando estava a apenas um quarto de volta do interior da agência...
Pipipipipi, a porta travou e Raposo deu de cara no blindex gelado da mesma.
"Senhor deposite seus pertences na janelinha e volte a entrar na porta de novo, senhor.
"Lá foram para a caixinha, moedas de 5 e 10 centavos, o chaveiro do flamengo, a medalha de São Jorge e pronto, entrar de novo.
Pipipipipi.
"Droga."
"Senhor, a fivela do cinto, senhor.
Deposite por favor na caixinha, senhor."
Lá foi Raposo contrariado, segurando as calças para não dar show na agência.
Fez o que a figura de uniforme pediu.
Passou de novo e ...
Pipipipipi.
"Senhor, o senhor deve estar portando mais algum objeto metálico, coloque-o na caixinha, por favor, senhor"
Raposo não aguentava mais ouvir, senhor, senhor, senhor.
"Meu querido agora o único objeto metálico que eu posso estar carregando é a prótese no meu pipipipipi....
Quer dar uma olhada????".
Pronto lá foi Raposo carregado banco a dentro pelo segurança com toda delicadeza que lhes é peculiar.
Não era essa a entrada triunfal que ele pretendia, porém, estava dentro da agência.
"O dotô, o senhor está desacatando minha autoridade, vou ter que deter o senhor."
"Então dete, dete se tú é macho. Você num sabe com quem tá falando."
Raposo já estava sendo arrastado para a salinha da segurança, quando Silveira apareceu.
"Mas que é isso ô Silva, larga o Raposo ai ele é meu amigo do carteado"
"Sim senhor-dotô-capitão Silveira, copiado senhor."
Amarrotado Raposo foi largado por aquelas mãos irritantes.
Que sorte do Raposo, encontrar o Silveira seu amigo logo na hora que mais precisava.
Bateu um papinho com seu salvador,afinal não via Silveira desde o dia que perdera toda sua poupança na rodada de carteado.
Voltou a caixinha pra recuperar seus pertences,moedas, chaveiro e principalmente seu cinto, porque suas bermudas insistiam em deixá-lo numa situação constrangedora.
Estava recebendo iclusive vários olhares e assobios de senhoras mais animadinhas.
Agora sim, estava na hora de triunfar em sua fila especial.
Olhou para a caixa e...
Procurou seus óculos, no bolso.
"XII, porisso a porta apitou, os óculos estavam no bolso, a que se dane."
Olhou para o caixa de novo.
"Ué cadê todo mundo?"
As caixas estavam todas vazias, mas como pode?
O banco já estava fechado, afinal, sair do Recreio, pegar ônibus, metrô lotado, passar pela porta giratória, ser detido, encontrar o Silveira, bater papo, apertar as calças e achar os óculos para encontrar a fila, não cabiam num dia de horário bancário.
E agora Raposo, como pagar o cinema e o jantarzinho prometido a Patroa?
"Dona Encrenca vai me matar."
Dona Encrenca era Matilda, a esposa odiosa de Raposo.
A última palavra sempre era dela.
Ela era a chefe.
Mas Matilda é outra estória...